Permitir que o colaborador trabalhe em casa varia conforme a política de cada empresa e das necessidades de cada setor, mas não funciona para todas as companhias.

Carol Nery Especial para a Gazeta do Povo | 30/04/2018

Julia De Mari, de 34 anos, retornou no início deste ano para suas funções em jornada integral na Volvo, depois de se beneficiar da licença-maternidade estendida. Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Grandes companhias como Yahoo e IBM foram pioneiras em implementar o home office por cinco dias na semana como uma alternativa inovadora de trabalho no início dos anos 2000. Apesar de inúmeros incentivos, como redução de custos e aumento da produtividade, as companhias recuaram da decisão alguns anos depois. A IBM reconhece os benefícios, mas justificou como sendo uma questão econômica: a medida forçaria alguns colaboradores a pedirem demissão pela falta de interesse de ter de deslocar-se a um escritório para cumprir expediente.

Na Yahoo, porém, o argumento tem relação direta com os resultados. Um dos motivos apontados pela badalada CEO Marissa Ann Mayer – reconhecida por revolucionar o portal web desde que assumiu a gestão, em 2012 – foi a divisão das equipes, afirmando que “muitas das melhores decisões e ideias vêm de discussões na cafeteria ou nos corredores, do encontro com novas pessoas e de reuniões improvisadas” em comunicado enviado à época, por e-mail, aos colaboradores remotos.

Não há dados oficiais do Ministério do Trabalho, mas um relatório divulgado no final de 2017 pela Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt), que avalia os 20 anos da implantação do home office nas empresas do Brasil e da América Latina, aponta que o sistema é capaz de melhorar a produtividade em pelo menos 20%, o volume de negócios em 10% e o índice de faltas em -25%. O estudo mostra ainda que o teletrabalho é uma realidade de um quarto das companhias do Brasil (porém, sem citar o volume total) e que a quantidade de funcionários em home office deve dobrar até o fim da década, passando de 7,5 milhões para 15 milhões, com base nas projeções do IBOPE-NIELSEN, diretamente relacionadas ao crescimento anual de 10% no uso da internet no país.

Então, afinal, o que deu errado? “A verdade é que o home office funciona, mas não para todas as empresas e nem em um único modelo”, afirma a consultora Amélia Caetano, do Instituto Trabalho Portátil, especializado em treinamentos de trabalho remoto para gestores e colaboradores. A troca presencial ainda é fator determinante na cultura das companhias. Segundo a especialista, diversas empresas têm experimentado o sistema por duas a três vezes na semana, ao invés de cinco, geralmente para setores de tecnologia. “É uma prática recomendada porque mantém o engajamento do profissional com a empresa. Ela enfatiza a comunicação entre gestores e colaboradores, que melhoram as expectativas de entregas e resultados.”

A medida garante ainda a economia de espaço ocupado, com o compartilhamento dos postos de trabalho por escala fixa. E a escolha pelo home office deve ser voluntária, considerando que exige uma adaptação importante do ambiente de trabalho, como mobiliário ergonômico, além de acesso à internet e computador de qualidade, com custos a cargo do colaborador. Neste sentido, orienta Amélia, é fundamental que os gestores saibam avaliar quem tem reais condições de trabalhar remotamente. “As melhores performances terão a preferência, pois é uma conquista atrelada essencialmente à confiança entre as partes.”

Prêmio aos experientes e equilíbrio com a vida pessoal
Enquanto algumas empresas abandonam ou readequam o sistema de trabalho remoto, conforme a personalidade corporativa, outras redefinem as políticas de recursos humanos. Aconteceu com a gigante Microsoft. Há pouco mais de um ano e meio a companhia de softwares para computadores criou o programa Family Caregiver. É uma licença especial remunerada, que permite aos funcionários baseados em qualquer país a ausência por até quatro semanas ao ano, caso precise auxiliar algum parente ou amigo com problemas de saúde. A justificativa é o aumento da expectativa de vida da população e consequentemente maiores cuidados com parentes mais velhos e a maior participação dos pais na educação dos filhos.

Este approach mais humanista incentivou a implantação do programa de licença-maternidade estendida no Grupo Volvo, em fevereiro de 2010. Concluído o período de 180 dias de afastamento assegurado pela lei que rege o Programa Empresa Cidadã, a funcionária pode trabalhar por meio período em home office até que o bebê complete um ano de idade. O movimento partiu das próprias funcionárias, conta o gerente de RH da Volvo, Sérgio Pavarin.

“As gestantes e mães recentes solicitavam um diferencial para elas. O maior problema alegado era o sofrimento com a distância após o término da licença-maternidade.” A medida proporciona melhor qualidade de vida às mães recentes ao lado de seus pequenos e maior engajamento com a companhia. “São resultados evidentes, que comprovamos regularmente nas pesquisas de satisfação internas e externas. Um dos motivos que nos colocam inclusive em evidência entre as melhores empresas para se trabalhar”, comemora.

Colaboradora da área de compras de componentes automotivos do Grupo Volvo, Julia De Mari, de 34 anos, retornou no início deste ano para suas funções em jornada integral na montadora. Há um ano e quatro meses nasceu o filho, Francisco. Como mãe de primeira viagem, Julia não pensou duas vezes na hora de aceitar o benefício da licença-maternidade estendida. A mãe comemora poder acompanhar a evolução do filho, inclusive os primeiros passos da criança.

“As mudanças acontecem de forma rápida e muitas vezes quem presencia momentos marcantes é a babá ou a professora na creche”, diz. Também foi um tempo fundamental para adaptação às novidades que envolvem maternidade x carreira profissional. “Nunca pensei em deixar de trabalhar. Foi muito mais fácil retornar e me organizar agora que preciso voltar a cumprir carga horária integral dentro da empresa.”

Menor índice de faltas e mercado para variados perfis
Motivada pela qualidade de vida dos colaboradores, que comprovadamente refletem na produtividade profissional, a GOL Linhas Aéreas Inteligentes adotou o modelo home-based em 2009, na área de teleatendimento dos canais de relacionamento da empresa. O projeto começou com uma equipe de dez pessoas, para operações de chat. Hoje são 800 colaboradores (80% do time do setor de teleatendimento) que trabalham remotamente – 5,3% do total de 15 mil funcionários da companhia aérea.

Foi um processo muito desafiador, principalmente em relação ao padrão de acesso ao sistema e todo o banco de dados, revela a gerente executiva de relacionamento com o cliente da GOL, Carolina Trancucci. “Era fundamental garantir que o serviço prestado ao consumidor fosse de qualidade.” Dependendo do canal, o atendimento acontece 24 horas ininterruptas, o que permite variadas jornadas – as escalas são de 6×1 e 5×2 – e garante a contratação de diferentes perfis de funcionários. “Temos desde o estudante até a melhor idade, assim como pessoas com necessidades especiais e muitas mulheres, que muitas vezes enfrentam dificuldades em retomar a carreira após serem mães.”

Segundo Carolina, o absenteísmo está abaixo dos 5%, que é o índice almejado por todo o mercado. “Os feedbacks, que acontecem em encontros presenciais, nos mostram como os colaboradores buscam melhor engajamento nas suas funções e o quanto estão satisfeitos por fazerem o que gostam, sendo reconhecidos e recompensados. Tudo isso impacta nos resultados e temos uma série de prêmios que atestam isso.”

A gerente executiva refere-se ao primeiro lugar como Melhor Atendimento ao Cliente entre as aéreas, reconhecimento do Fórum Brasileiro de Relacionamento com o Cliente em parceria com a revista Exame, e por ser a companhia melhor avaliada pelos consumidores, através do Reclame Aqui, considerada Ótima e com o melhor desempenho na resolução de problemas, com índice de solução de 80%. A Anac constatou, ainda, que a GOL teve menor número de reclamações, sendo sete ocorrências para cada 100 mil passageiros atendidos.

Projeto de lei sugere redução de tributos a empresas
Deve ser apresentado até final de junho deste ano na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei que propõe a redução de ISS a empresas de telemarketing e serviço de help desk que permitirem aos colaboradores trabalharem em casa. Aos profissionais, por sua vez, ficaria garantido o desconto de IPTU. O projeto é do vereador José Police Neto (PSD). Reportagem sobre o assunto veiculada pela Folha de São Paulo em meados de abril, afirma que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para os próximos três anos prevê R$ 250 milhões em incentivos fiscais.

Hoje, mais de 20% dos funcionários da Fazenda de São Paulo atuam em home office duas vezes por semana. Uma pesquisa com 325 empresas de todo o Brasil, a maioria da iniciativa privada, indica que a prática do home office está presente em 37% delas, ainda segundo a reportagem. Dessas, 89% usam a modalidade para atrair os colaboradores e 87% para otimizar processos internos. A atividade está regulamentada no país, em vigor desde novembro do ano passado, conforme as novas regras da lei trabalhista.

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